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Sobre

Apresentação

Em quase quatro décadas de vida profissional, se há um traço de continuidade na minha biografia ele terá de ser encontrado na procura permanente em aliar a participação cívica e a luta por uma sociedade mais justa e solidária com o conhecimento, tendo como centro a educação e as políticas públicas de  educação.

No início dos anos setenta, em plena primavera marcelista, associei à minha condição de ainda estudante, que participara marginalmente na crise académica de 1969, a de professor provisório com uma intervenção ativa na criação dos Grupos de Estudo do Pessoal Docente do Ensino Secundário, designação eufemística que adoptou o movimento reivindicativo dos professores que, com a Revolução do 25 de Abril e as liberdades conquistadas em 1974, esteve na origem dos sindicatos dos professores.

Nesse âmbito, participei na criação do que veio a ser a revista o professor, onde desempenhei as funções de subdiretor e diretor durante largos anos, bem como publiquei o meu primeiro livro, Professores: que vencimentos? (Teodoro, 1974), que mereceu aliás um inusitado interesse da polícia política da ditadura.

Ainda nesse período, integrei a Comissão Nacional promotora do 3.º Congresso da Oposição Democrática, realizado na cidade de Aveiro em Abril de 1973, tendo pertencido à Comissão Coordenadora da secção de Educação, Cultura e Juventude.

Nas vésperas do 25 de Abril, encontrava-me entre os visados por um despacho do então Secretário de Estado da Juventude e Desportos, Augusto Athaíde de seu nome, que equiparava os Grupos de Estudo a associações secretas, e ameaçava os seus membros, referindo em especial a direcção de o professor,com um conjunto de sanções que podiam ir de “prisão correccional nunca inferior a 6 meses, a perda de funções públicas, a multas não inferiores a 2000$ e à suspensão de direitos políticos por 5 anos”.

A Revolução do 25 de Abril veio encontrar-me a cumprir o serviço militar obrigatório como oficial da Marinha.

De entre as missões em que participei nesse período inesquecível da vida portuguesa, figura o trabalho, durante um curto período, na Comissão de Extinção da PIDE/DGS, e, mais tarde, na assessoria de um dos membros da Comissão Coordenadora do MFA e, depois, do Conselho da Revolução.

Na decorrência da primeira missão, tive a oportunidade de realizar o levantamento possível das atividades e do funcionamento de um anódino departamento do Ministério da Educação, o Centro de Documentação e Informação (CDI), destinado ao controlo do movimento estudantil universitário e ao financiamento de atividades de acção psicológica e de organizações de juventude de extrema-direita, o qual funcionava em estreita cooperação com a polícia política.

No âmbito da segunda missão, ficou um conhecimento muito rico do poder político-militar que derrubou a ditadura e preparou a transição para a democracia, num quadro de grandes contradições e conflitos na sociedade portuguesa, com repercussões muito vivas nas representações e interesses dos mais destacados atores político-militares de então.

Num intervalo dessa presença em terreno pouco usual e esporádico, o político-militar, desempenhei, entre Outubro de 1974 e Maio de 1975, as funções de inspetor-chefe do ensino primário, o que me permitiu participar diretamente no debate, elaboração e implementação de alguns dos mais significativos processos de reforma do pós-25 de Abril no campo do ensino básico.

Desse período retenho, como particularmente gratificantes, a participação na reforma das Escolas do Magistério e da formação dos professores do ensino primário, a elaboração dos novos programas do ensino primário – os programas cor-de-laranja como ficaram conhecidos entre os professores – e a organização das ações de formação para todos os professores que iam trabalhar com esses novos programas, bem como da democratização das anquilosadas estruturas do ensino primário, apostando na eleição e formação de delegados concelhios pedagógicos, o meio então encontrado para privilegiar as funções pedagógicas sobre as administrativas e para incentivar a inovação nas práticas docentes.

Foram seis meses em que participei, por dentro, com entusiasmo, em reformas que pretendiam valorizar o papel da escola e dos professores na construção de uma sociedade democrática (e socialista), num misto de concepção missionária do professor e de pedagogia radical de uma educação centrada na criança, como, mais tarde, Stephen Stoer (1982) bem caracterizou.

O regresso à docência no ensino secundário, no final de 1976, permitiu-me disponibilidade para relançar a revista o professor, suspensa em 1975, tornando-a, no pobre panorama editorial português da segunda metade dos anos 1970, uma publicação respeitada e de referência no campo educativo.

Desse período fica ainda a recordação da incisiva polémica, com expressão na imprensa da época, sobre as políticas de normalizaçãoencetadas pelo Ministério Cardia, em campos como o da política orçamental, da formação de professores, do ensino superior, do ensino básico e outros.

Na segunda metade da década de 1970, depois de terminado o serviço militar, assumi uma intervenção ativa no plano partidário, no sector intelectual do PCP, tendo coordenado a preparação e participado na organização do Encontro Nacional, Ensino para a Democracia, Democracia para o Ensino, realizado em Abril de 1978.

Foi um período extremamente rico de contactos e debates, que ultrapassaram em muito as fronteiras da militância partidária, e que me permitiram um retrato muito completo da situação educacional do país.

Em 1979, reiniciei, fruto de circunstâncias algo fortuitas, um percurso a que tinha estado ligado desde o início da minha atividade profissional,ao ser eleito para a direção do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), à frente de uma equipa de trabalho apostada em ultrapassar as divisões, os impasses e as quebras de representatividade em que tinha caído o sindicalismo docente no nosso país.

Desde então, ininterruptamente durante cerca de quinze anos, dei rosto às reivindicações e à representação de uma parte, reconhecidamente maioritária na época, dos professores portugueses, primeiro no SPGL, como seu Presidente até 1989, e, sobretudo, na Federação Nacional dos Professores (FENPROF), entretanto criada em 1983, como seu primeiro Secretário-Geral até 1994.

Dessa longa presença, que marca indelevelmente o meu percurso e a minha biografia, ficou uma concepção de sindicalismo, enquanto intervenção social, que, em 1985, sintetizei do seguinte modo:

As organizações democráticas de professores em todo o mundo, independentemente das formas específicas de organização e dos meios de ação adoptados, em resultado de condições políticas, sociais e económicas próprias de cada País e do desenvolvimento das respectivas organizações, adoptam dois objectivos fundamentais para a sua acção, que são, simultaneamente, a verdadeira razão da sua existência.

Esses objectivos são, sem equívocos, a democratização da escola e de todo o sistema educativo e a defesa dos interesses sociais e profissionais dos professores e outros trabalhadores da educação que representam.

Dois objectivos que nunca podem ser antagónicos, cabendo às organizações de professores, pela sua ação consciente e responsável, demonstrar aos governos e demais autoridades responsáveis pela Educação que a defesa de melhores condições de vida, de trabalho e de formação para os professores é parte integrante do processo de desenvolvimento e democratização do sistema educativo.

(Maputo, Outubro de 1985)

A década de 1980 e a primeira metade da 1990 foram muito ricas em debates no campo educativo.

Inerente às responsabilidades sindicais que possuía, e ao modo como as entendi, fui um participante ativo nos debates que antecederam e conduziram à aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, na apreciação dos documentos produzidos pela Comissão de Reforma do Sistema Educativo sobre praticamente todos os sectores e vertentes da problemática educativa, no debate sobre a reorganização dos planos curriculares do ensino básico e secundário e sobre o conjunto da denominada reforma educativa, na construção dos sucessivos ordenamentos jurídicos que têm orientado a formação dos professores, da formação inicial à formação contínua ou em serviço, na elaboração da Lei da Autonomia Universitária e dos vários projetos e diplomas sobre a gestão e administração das escolas.

O facto de integrar o Conselho Nacional de Educação desde a sua entrada em funcionamento, em 1988, até meados de 1994, permitiu-me articular o debate público e a ação reivindicativa específica de uma representação sindical com o debate institucional, em busca de consensos e de convergências com outros parceiros educativos.

A condição de sindicalista levou-me tanto a um contacto estreito com os pequenos e grandes problemas (e dramas) do quotidiano escolar e da profissão docente, como à negociação dos normativos globais que ainda hoje, no essencial, regulam as carreiras docentes e de investigação no ensino superior, universitário e politécnico, e, em parte, nos ensinos básico e secundário e na educação pré-escolar.

Desde muito cedo que me interessei pela dimensão internacional dos problemas educativos, primeiro acompanhando a atividade de organizações intergovernamentais como a UNESCO ou a OCDE, depois participando e assumindo responsabilidades, incluindo no plano dirigente, em organizações internacionais de professores, como o Comité Sindical Europeu da Educação (CSEE), a Confederação Mundial das Organizações da Profissão Docente (CMOPE/WCOTP) ou, mais recentemente e durante um curto período, após a unificação do movimento docente internacional, na Internacional da Educação (IE).

Após ter cessado toda a atividade sindical em 1994, a par do retorno à atividade docente, primeiro no ensino secundário, depois no ensino superior particular, voltei a participar, num plano diretamente político, na busca de melhores caminhos para a educação e para o conjunto da sociedade portuguesa, tendo integrado o núcleo proponente dos Estados Gerais para uma Nova Maioria, constituído por iniciativa do Partido Socialista, e pertencido ao respectivo Conselho Coordenador de Educação, Formação e Ciência.

Na sequência das eleições legislativas de Outubro de 1995, fui convidado a assumir funções de consultoria junto do Conselho de Ministros para os Assuntos da Educação, Cultura, Ciência e Qualificação, as quais desempenhei em paralelo com a atividade docente e de investigação.

A presença, de novo, nos bastidores da decisão política, associada à participação, como investigador associado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, no projeto A Sociedade Portuguesa perante os Desafios da Globalização: Modernização Económica, Social e Cultural, permitiu-me, de um lado, um acesso privilegiado à informação e às racionalidades da decisão política e, do outro, o exercitar de um pensamento e de uma perspectiva crítica da realidade educacional portuguesa.

O desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a educação e os seus processos de mudança na atualidade exigia, designadamente, um certo recuo histórico que me permitisse, de um lado, compreender melhor as raízes do atraso na construção da escola de massas, ou escola para todos, e, do outro, conhecer o papel que tem sido atribuído ao sistema de educação no processo de modernização da sociedade portuguesa na contemporaneidade do pós-Segunda Guerra Mundial, no contexto de rápidas e profundas mudanças sociais induzidas por uma renegociação activa do lugar de Portugal no sistema mundial.

Foi isso que procurámos com o projeto de investigação materializado na tese de doutoramento apresentada em 1999 na Universidade Nova de Lisboa (Teodoro, 1999), sob a orientação científica dos Professores Stephen R. Stoer e Teresa Ambrósio.

No meu percurso científico estão bem presentes as concepções e os valores do investigador. E, neste domínio, importa não esquecer que as utopias (melhor, as utopísticas)fazem parte das preocupações das ciências sociais, como é recordado pela Comissão Gulbenkian para a Reestruturação das Ciências Sociais no seu relatório Para abrir as Ciências Sociais.

A transição entre um período em que a intervenção sindical e política foi dominante e a atividade académica foi facilitada pelo convite que o Reitor e o Administrador do então Instituto Superior de Matemática e Gestão (ISMAG) me dirigiram no sentido de instalar a área de Ciências da Educação nessa instituição de ensino superior que lutava pelo seu reconhecimento como Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), o que veio a verificar-se em 1998.

No curriculum vitae que pode ser consultado a partir da Plataforma DeGóis ou FCT-SIG, disponibilizadas pela FCT, de Portugal, ou da Plataforma Lattes, do CNPQ, do Brasil, apresenta-se uma síntese da minha nossa atividade nos diferentes planos da docência, da investigação, da administração educativa e da coordenação científica, bem como da intervenção profissional e cívica.

Desse percurso, há três aspectos que desejo sublinhar.

O primeiro refere-se à participação em revistas, jornais e editoras, enquanto meios fundamentais de construção de um espaço público democrático.

Antes ainda da Revolução de Abril, ajudei a criar a revista O Professor, tendo sido seu subdiretor e diretor até 1979.

Depois, enquanto dirigente sindical, impulsionei a existência de jornais que permitissem não apenas a defesa dos pontos de vista sindical mas permitissem o debate sobre questões pedagógicas e de política educativa, abrindo-as à participação de académicos e de investigadores.

Na edição, nos anos 1970, dirigi duas coleções, uma das quais a coleção Educação e Ensino da Seara Nova, referência do panorama editorial português na resistência à censura e na luta pela liberdade em Portugal.

Colaborei com editoras escolares e participei (e participo) em múltiplos comités editoriais e conselhos científicos de revistas, nacionais ou estrangeiras, desde a revista da pequena faculdade (sobretudo no Brasil) a prestigiadas revistas científicas brasileiras, francesas ou norte-americanas.

É nesse contexto que deve ser entendido a arriscada aposta na criação da Revista Lusófona de Educação que, em pouco tempo, se afirmou como uma das melhores revistas científicas de língua portuguesa no campo das ciências da educação e das ciências sociais.

O segundo aspecto prende-se com a dimensão lusófona da minha intervenção cívica, política e académica.

Como jovem militar, dei o meu (modesto) contributo para o fim do regime colonial português; como sindicalista, fui percursor da aproximação às organizações de professores dos países de língua portuguesa e defensor de uma ativa intervenção na defesa do direito do povo de Timor-Leste a escolher o seu destino; como académico, tudo tenho feito para impulsionar e aprofundar as relações científicas com o Brasil e os países africanos que têm o Português como língua oficial.

Como escrevi no editorial do nº 1 da Revista Lusófona de Educação, considero a lusofonia como “um espaço, não de velhos saudosismos (neo)coloniais – impossível num contexto em que nenhum dos integrantes assume um lugar central e hegemónico no seio do sistema mundial –, mas de afectividades e cooperação solidária entre comunidades académicas que partilham, para além de uma língua comum forjada numa rica mestiçagem histórica, objectivos de difusão e internacionalização da sua produção científica”.

O terceiro aspecto sublinha uma história de vida em permanente contacto com as políticas públicas de educação, seja como ator privilegiado que acompanhou alguns dos processos legislativos mais significativos das últimas três décadas, seja como professor e investigador que tem dedicado o essencial da sua investigação a compreender os meandros da decisão política e das suas determinantes sociais, políticas, económicas e culturais.

Da participação do jovem professor provisório na constituição dos Grupos de Estudo do Pessoal Docente, ainda antes da Revolução de Abril, a coordenador da Rede Ibero-Americana de Investigação em Políticas de Educação (RIAIPE), existe uma linha de continuidade: contribuir para a construção das bases epistemológicas e políticas de um novo senso comum, capaz de ajudar a formular uma agenda educacional de um novo bloco social interessado em impulsionar (e realizar) políticas progressivas de paz, justiça social, felicidade e liberdade para todos.